Um dia desses, estava eu na minha cabana meio
a dormir, pois a hora já ia adiantada. A minha mãe já estava deitada, assisti a
uma conversa inesperada entre o Kaiser e o amigo Rui. Inesperada, porque o meu
mano revelou o que nunca devia ser revelado: que nós falamos! E espero que ele
acredite que só o Kaiser fala. Senão ainda somos dissecados num laboratório de
um cientista louco qualquer… Eu fingi que não era nada comigo e como estava
demasiado cansado para calar o parvo do meu mano, deixei a coisa andar a ver
onde parava… Foi mais ou menos assim:
- Kaiser, o que tens?
- ….
- Queres um biscoito?
- …
- Que merda não dizeres o que tens. Toma lá um
biscoito. Só um. Estás proibido de comer. Amanhã tens exames. Vai… sacana… tu é
que te safas… levas-me á certa… vou dormir que amanhã é um dia importante.
- … dói…
- ??? hein??? estou mesmo cansado… já estou a ouvir
coisas…!! Kaiser??? Estou tolo…
- Dói muito… sim sou eu… já não aguento mais… dói…
- Kaiser? Eu devo estar já a dormir, a sonhar que
estou para aqui contigo a falar…
- Não… fica…
- Oi?? Está bem, eu fico… ainda que assustado… que
tens??
- Antes dá-me um biscoito. Só um. Tenho fome…
- Toma. Até te dou mais um… o que tens?
- Não sei. Dói-me a barriga… ando enjoado e não faço
presentes como deve ser…
- Amanhã vais fazer mais exames… Sabes que lá és bem
tratado.
- Não sei se quero…
- Vais ter de querer!
- Até hoje não tive outro remédio… Mas vingo-me!
Eu bato na Doutora Ana com o meu focinho! Ela em troca dá-me muitos biscoitos deliciosos para eu parar…
Eu bato na Doutora Ana com o meu focinho! Ela em troca dá-me muitos biscoitos deliciosos para eu parar…
- Sabes que na clinica todas te adoram!
- Pois… pois… mas fazem-me maldades!
- Maldades??? Foram sempre tão boas para ti!
- Fala por ti! Começaram a picar-me era eu ainda
bebé…! E tiraram-me os tintins!!! Olha se tivessem sido os teus… queria ver se
não ias lá com o focinho á bruta todas as vezes que a visses…
- Eu pensei que tinhas ultrapassado isso…
- Espera. Já te ajeito a cabeça. Toma, uma mantinha por
cima.
- Ajudava trazeres para aqui ao pé, os biscoitos…
- Espero que a tua mãezinha não dê por falta deles!
Vou ficar contigo. E já agora que deste com essa língua enorme nos dentes…
podíamos falar…
- Mas fica entre nós. O mano tá a dormir e a mãezinha
também deve estar a dormir. Como tenho boa audição, eu aviso se a ouvir e vamos
ter de ficar por aqui.
- De acordo!
- Que queres saber?
- Tudo!
- Tudo é difícil. Não sei se tenho paciência para
muito… dói-me…
- Está bem. Vamos começar pelo princípio?
- Qual princípio?
- Estavas no Alentejo. Fomos buscar-te…
- Estavas no Alentejo. Fomos buscar-te…
- Ahhh… pois isso… não era para ser assim! Eu devia
ter ficado lá com os meus manos e vocês raptaram-me… Tiveram sorte eu estar
meio anestesiado, por ter acabado de tirar os pontos das minhas orelhas. Senão
não me apanhavam!
- Pois ainda assim não foi fácil! Mas nós queríamos
que viesses connosco… precisávamos de ti.
- Mas eu não precisava de vocês! Por isso vinguei-me e
fiz aquele presente no carro, em Coimbra. Bem feito!
- Sacana! Tivemos que aguentar aquilo até Aveiro!
- Ora tomem lá…
- Adiante. Ao menos gostaste das novas companhias?
- De quem??
- De nós. E dos manos.
- Hummm… bem, não tive escolha. Tive de gostar á
força. Mas acabaram por ser uma boa surpresa. Nós acabámos por nos dar bem…
tirando umas pequenas diferenças que fomos resolvendo… á dentada… heheheheh…
Onde me puseram a dormir nos primeiros dias, é que era péssimo!
- Sabes, os cachorrinhos fazem presentes em todo o
lado… logo…
- Eu não!
- Pois. Chegámos a essa conclusão depressa. Não foi
preciso ensinar-te.
- Só um chichizinho aqui ou acolá… eu não era um super
cachorro.
- E por dormires
lá fora, numa cerca, que já tinha sido de galinhas, reclamavas?
- Claro! Toda a noite!!
- E eu é que acabava sozinho na cama… Começavas a
gritaria e lá ia tua mãezinha, dormir contigo.
- Toma!… Eu ainda não chegava lá com o focinho, mas já
conseguia o que queria. Como o próximo biscoito que vais dar, para eu não me
calar…
- Pronto. Come. Estas bem assim?
- Nesta posição dói menos.
- Lamento as tuas dores. Preocupas-nos. Lamento também
ter-te aleijado quando eras pequenino.
- Eu nunca fui pequenino.
- Ah pois… eras um saco de patas muito trapalhão. Por
isso aleijei-te.
- Deixa lá. Eu fiquei bom. Pensei que corria mais do
que o carro. Aprendi a não jogar mais ás escondidas, á noite no pomar.
- Ficaste mal da pata. Não pensei de início que não
fosse tão grave… mas nem deixaste apanhar-te… Uns valentes meses depois é que
ficaste fino.
- Sim. Mas passei por muitas dores.
- Por isso, quando estas com dores, nunca te
manifestas!
- Exacto. Fiquei rijo. Aprendi a aguentar a dor.
- Forte como um imperador… o nome assentou-te como uma
luva, Kaiser…
- Kaiser? Por mim qualquer nome dava. Até se me
chamassem de Julinho, dava! Desde que viessem de lá biscoitos. E por falar nisso,
bota aí mais um.
- És mesmo interesseiro.
- Não sou… Tá bem! Sou! Mas também sou guloso. E bom
garfo!
- É isso! Explica lá essa. Contigo marcha tudo ou
quase tudo desde frutas até legumes crus!
- Ai o pepino… e as cenouras… milho… os chuchus crus... e a
fruta? Já ia um cabaz dela!
- E a sopa… e o peixe cru… e tudo o que comíamos,
incluindo saladas…
- Não sou esquisito.
- Até comias o que não devias!
- Olha que nunca roubei!
- Comida nunca roubaste. Bom… da nossa não. Podíamos
deixar TUDO ao teu alcance que nunca roubavas. Até metade de um leitão ficou ao
teu alcance e nem ligaste.
- Liguei, liguei! Fiquei plantado á frente dele até
vocês chegarem para me darem um bocadinho. Afinal podia apanhar no focinho… era
mais fácil pedir do que apanhar umas palmadas…
- E assim percebemos e sempre recebeste uns petiscos
pelo teu bom comportamento. Eu é que não dou muito, mas a tua mãezinha
derrete-se toda e… lá vai mais um bocadinho. Já agora que vicio é esse do pão?
- Nem me fales disso! Tens aí um bocado que sobrou do
teu jantar. Dá-me um bocadinho que já te digo como gosto dele!
- Não. Só biscoitos.
- Não gostas de mim…
- Gosto. Mas amanhã é um dia importante.
- Está bem… mas tens de me dar um biscoito então…
senão não descanso…
- Toma…
- O pão é uma delícia. Gosto tanto dele como de
biscoitos. Pode ser broa como pode ser qualquer um. Se tiver dois dias, marcha
igual!
- Guloso.
- Sim sou. É tão boooom…
- Continuando. Os roubos. Sempre te portaste bem
nisso. Mas roubas o resto da ração que o teu mano não come.
- Odeio desperdício.
- Já somos dois.
- Pois é. Limpas sempre o teu prato…
- E tu limpas o prato da tua mãezinha…
- O que lá há é sempre pouco… só um bocadito que me
cabe na ponta da língua…
- E já é muito. Não é a melhor comida para um canídeo…
- Podias ser mais generoso… que queres saber mais?
- Agora quero saber se queres ir lá fora.
- Agora não. Sabes que peço quando quero ir…
- Esperto…
Afinal essa ervilha seca a flutuar no vácuo onde devia estar o cérebro,
por vezes dá uns espasmos de inteligência…
- Eu mordo-te!
- Não mordes nada!
- Pois não…
- Pronto, admito que és esperto: chamas-nos quando
queres ir lá fora.
- Só isso?? E quando chega a hora da paparoca? Gostas
quando agarro no Kong e faço a minha dança?
- É engraçado…
- E a minha representação de um boi no rodeo enquanto
tiras o café?
- Adoro! Mas assim eliminas qualquer ideia de que és
esperto… pareces um epiléptico numa festa hippie…
- É quando sei que vou á noite lá fora ao meu
Kaisómetro por um bom bocado de tempo. Gosto de lá ir e ladrar… e ouvir o ecoar
da minha voz!
- Os vizinhos é que não acham muita piada.
- Olha vê se me importo.
- Por isso o teu passeio acaba sempre mais cedo. Por
vezes ainda não me sentei para tomar o café e já estás aos gritos.
- São os gatos… e cães dos vizinhos ou nada… o “nada”
faz-me ladrar…
- Pois a mim faz-me praguejar!!! Tenho de ir buscar-te
mais cedo e depois já fazes as prendas só no pátio…
- São coisas minhas. Prioridades.
- Aborreces as pessoas que limpam. Neste caso, a tua
mãezinha.
- Mãezinha. Pois. Já agora porque não queres que nós
te chamemos de paizinho?
- Porque tenho outra forma de ver a nossa interação.
Somos amigos. E dos grandes! Vê lá tu se não é assim. A tua mãezinha
alimenta-te. Dá-te banho e escova-te. Faz-te os bolos de
aniversário e as respectivas festas cheias de gente. Educou-te e ensinou-te a
comportares-te, a ser obediente, a sentar, a deitar, a dar as patas á vez. E
atirares-te com todo o teu presunto ao colo dela… ela ensinou-te e mimou-te. É uma mãe.
E eu? O que te ensinei até agora, além das muitas e criativas brincadeiras?
- Eu já sabia brincar…
- Sim, mas com os teus manos. Queixas-te das minhas
brincadeiras?
- Ás vezes és chato e bruto. Mas divirto-me á brava.
Até estar exausto!
- Tu provocas metade das vezes. Vês somos amigos!
Passas bons momentos de brincadeira comigo. E com muitas das pessoas que chegam
para nos visitar…
- Verdade. Gosto delas.
- Ai gostas delas só pela brincadeira? Pensei que era
porque vinham carregadas com biscoitos como a tia Isabel faz muita vez…
Só falo assim, porque colas-te em frente á lata dos biscoitos a ladrar para a dita lata, onde os guardamos …
Só falo assim, porque colas-te em frente á lata dos biscoitos a ladrar para a dita lata, onde os guardamos …
- És um interesseiro, mesmo!
- Já que falamos de biscoitos, de que estás á espera??
- Hummm… tá bem. Desde que não te cales. Quero saber
mais… espera vou pôr mais madeira no aquecimento.
- Não demores.
- Já venho.
- Cá estou. Onde íamos?
- Íamos na parte que me davas mais um biscoito.
- Mau… não tenho uma memória curta como a tua… acabei
de te dar!
- Vale sempre a pena tentar a sorte…
- E és um vendido também. Se a casa fosse assaltada
por gatunos com biscoitos ficavas de guarda para não serem incomodados!
- Bem, com biscoitos rendo-me sempre! Ou ração… ou
sopa… ou fruta…
- Que raio de apetite Kaiser!
- Estes quarenta quilos têm de se manter…
- Morde mas é a bola!
- Por vezes tento comer um bocadinho dela…
- Falemos de outra coisa senão sou eu que fico com
fome…
- Podes sempre comer uns biscoitinhos dos meus… eu
sempre te deixei tirares a minha comida. Até da minha boca.
- Dispenso os teus biscoitos…
- A mãezinha já provou…
- Mas não come. Ela prova tudo o que comes. Menos os
venenos que tinhas de comer na outra casa… DUAS VEZES!!!
- Sabiam bem...
- Sabiam bem...
- Ora aí está: roubaste… aos ratinhos! Foi um susto!!
Ainda bem que foi mesmo só isso. Por culpa da tua teimosia!
- A culpa é tua…
- Só da primeira vez… da segunda vez conseguiste abrir
a caixa dos iscos…
- Pura arte e engenho! Heheheheheh…
- Parvo. Ficámos fulos! Fiquei capaz de te castrar…
outra vez! Ai essa ervilha seca …
- Ai eu chego-te!
- Chegas nada! Tens mais língua do que dentes… és
meigo com todos, incluindo crianças que nem conheces.
- Sabes que me derreto pelas crianças! E pelos
biscoitos que daí vêm…
- Lá vamos nós…! Já sei… “e por falar nisso… béu béu
béu… porque não mais um biscoito?” Não era o que ias dizer?
- Ás vezes és tão esperto como eu…
- Mau! Olha… já não dou biscoito!
- Vá lá… olha que faço a carinha triste com as orelhas
para trás…
- Eu não me deixo dobrar como a tua mãezinha.
- Eu sei. Mas não custa nada tentar a sorte. Pode ser
que algum dia consiga dar-te a volta.
- Falemos de outra coisa. O que te passou pela cabeça
quando mordeste a mão do vizinho??
- Foi a única vez que ataquei. Sabes disso.
- Eu sei, Kaiser.
- Ele provocava-me sempre: cão maricas para cá, cão
maricas para lá… e ele meteu a mão para o lado de cá do muro. E o “maricas”
deu-lhe uma lição! Espero que ele tenha gostado quanto eu!! Eu já sinto
saudades dele me chamar de maricas… e principalmente dele meter a mão do lado
de cá de seguida… belos tempos!
- Foste bruto!
- Foi remédio santo!
- É verdade. Mas não digas a ninguém o quanto gostei
da cena. Fica só entre nós…
- Hahaha! A mãezinha também gostou muito. Muito ela se
riu…!
- Vocês os dois…
- Que foi?
- Nada. Só penso que tu e a tua mãezinha são almas
gémeas. Ela já suspirava por uma lição.
- E eu como um bom filhinho só lhe fiz a vontade.
- Ainda bem que foi só uma liçãozinha que ela pediu!
- O vizinho também nunca deu um biscoitinho… só
mandava bocas foleiras… Mereceu a trinca! Quero ir lá fora fazer um xixizinho...
- Bora!
E estava a ver que os dois não se calavam. Ou
começava… ou acabava sempre nos biscoitos. Meu irmão é lixado. Vou fingir que
não estou acordado porque está muito frio lá fora! Eles devem voltar em
minutos…
- Vamos Kaiser… entra. Senta aqui que tens as patas
sujas. Espera um pouco.
- Quero deitar-me já. Estou cansado. E dói-me.
- Pronto. Deita-te aqui no sofá. Olha a mantinha por
cima. Deixa ajeitar-te. Estás bem assim?
- Não pior do que estava…
Humpffff… eles não se calaram desta vez.
Ninguém dorme aqui hoje?!?
- Eu sei. Dói-te. Mas és tratado como um príncipe.
Sempre foste. Sempre foram todos tratados como tal. Tens as vacinas mais em dia
do que eu!
- Podia ser melhor…
- O quê??? Como assim??
- Podia dormir sempre na vossa cama no meio de vocês…
- Nem penses. Tens uma fábrica de gás mortífero aí
atrás… é uma fragrância forte. E aquilo enche o quarto todo.
- Era Brise… cagada no pinhal… com notas pessoais…
hehehehe!
- Por isso foste proibido de lá dormir…
- Mas também podiam levar-me á praia todas as manhãs,
para correr, e de tarde, um passeio á mata e ao voltar a casa, não tomar banho!
- Isso é que era! Mas um duchinho era obrigatório! Já
agora, vai um duchinho, Kaiser?
- Duchinho não!! Duchinho, NÃO!!! Ohhh o horror!!!
Não!!!
- Tem calma. Tava a brincar…
- Ufa… és mau… até me arrepio quando ouço a água a
correr!
- Mas não tens medo da água do mar nem do rio. Não
percebo… tu atiras-te…
- És um triste…
- Eu é que sei!!
- Está bem. Acalma-te.
- Eu ia á praia amanhã em vez de ir às Doutoras… mas
dói-me. E não consigo correr…
- Deixa ajeitar melhor a mantinha e levas já umas
festinhas no pescoço que sei que gostas.
- Pois gosto… ahhhhh… hummmm… é bommmmmm…
obrigadooooo…
- Não precisas de agradecer. Eu é que agradeço a tua
paciência e por termos esta conversa. Sempre foste um bom cão. Mesmo na tua
fase mais traquinas.
- Eu traquinas??
- Sim, traquinas. Olha bem para os pés daquela
cadeira. Ficou ali um lindo serviço… e os chinelos da mãezinha? E a mangueira?
Aquilo ainda hoje parece o repuxo daquela rotunda de Albergaria-a-Velha. Mas a
tua mãezinha meteu-te na linha! Só não conseguiu evitar que atacasses as
galinhas, á solta no teu Kaisómetro.
- Estavam no meu território! E eu só queria provar um
bocadinho…
- Provar o quê?!?
- Provar a como ia saber a canja que ias fazer com
ela…
- Pois, mas ela escapou! As minhas galinhas são
sagradas! Ao menos elas põem alguma coisa que se coma por uma das extremidades.
Tu, ao contrário só te saem prendas a quilo por um lado, ou baba aos litros
pelo outro… Para tua informação ela ficou a coxear durante um mês e deixou até
de meter ovos. Mas recuperou, e já está no activo.
- É pena… fica para a próxima!
- Para a próxima, nada! Nunca mais te cruzas com elas…
- Só se não calhar…
- Olha, tautau no rabo!!
- Prefiro biscoitinho na boca…
- Agora que me lembro da galinha, não mereces
biscoitos!
- Não estamos para ir dormir agora? Vai dormir, vai…
- E se for um bocadinho de pão, Kaiser?
- Hummm pão… pão… pão… hummm bom! Onde nós íamos???
- Na parte em que tu és tão fácil, hehehehehehe!
- Olha quem fala…
- Íamos na parte em que apanhavas no rabo por fazer
asneiras.
- Só te lembras de cenas tristes??
- Não só. Ela também oferece-te coisas próprias para
trincares. Brinquedos por exemplo… os
quais prontamente começas logo a testar a resistência deles. Nem um Kong
Extreme XL escapou... já vais no segundo! E ultimamente andas a ver se o pneu
da moto é trincável…
- E acho que é…
- Vais receber um pneu de um tractor agrícola pelo teu
aniversário! Ficas logo com algo para te entreteres uns anos!
- Está combinado! E ele pode vir recheado com
biscoitos!!
- Vou pensar nisso. Embrulhar o pneu é que será
difícil.
- Mas sabes como gosto de desembrulhar as prendas…
- Pois, é engraçado. Mas ultimamente tens feito
batota: só desembrulhas até metade e vais logo ao recheio! Antes tiravas o
papel todo…
- Já não me importo se tiro o papel todo ou não… vou
ao que interessa!
- Gostas tanto de rasgar papel…
- Isso são os jornais e revistas. Não têm recheio. As prendas já têm recheio… e se o recheio for da Pedigree ou da Purina, melhor!
- E avisos de encomenda dos CTT, meu sacana???
- Ups…! Isso foi só uma vez… a culpa foi do carteiro.
Simpático o homem… a que será que ele sabe??
- Esquece que nunca vais ter a oportunidade!!
- Mas ele mexe na nossa caixa de correio… merece uma
trinca…
- Tu é que mereces uma trinca pela figura que fiz com
vinte fragmentos babados de um aviso de encomenda…
- Era só papel!
- Bom… tirando essas traquinices és um cão porreiro.
No geral deste pouco que fazer.
- Não sou perfeito. Nem os humanos são perfeitos. Sou
um cão. Qual a tua desculpa?
- … hummm …. hummmmmm… olha aqui um biscoito!
- Não quero o biscoito.
- Bom tenho que reconhecer que existem pessoas não tão
perfeitas como tu.
- Esses é que são cães. Destroem tudo á sua volta. Não
respeitam ninguém que está á volta deles, “ladram” muito e por vezes mordem…
nem deixam que lhes dêem mimo…
- As pessoas não são cães para receberem miminhos…
- Mas algumas são cães… bem maus…
- É verdade… Mas só algumas! Nem todas as pessoas são
más. Olha, por exemplo, as crianças. As que cá vêm, raramente te dão biscoitos,
mas são boas!
- E brincam comigo. Eu gosto delas!
- Assustava de início… tu com esse tamanho bem podias
magoar uma criança… e como és ainda desajeitado…
- Olá?!!! Eu sou o Kaiser, amigo das crianças! Filhinhos
e filhinhas dos papás, que me acham piada por brincar com os miúdos… e assim
vão trazendo uns biscoitinhos…
- Ahhhh…! Já estava a prever que isso ia acabar aí!!
És mesmo um sacaninha carregado de interesse! Não te ensinámos isso!!
- Não... Mas resulta!
- Se não estivesses doente levavas umas palmadas no
rabo só para te chatear…
- Mas dói-me. Vai e vem. É da posição…
- Sabes que nos dói a todos cá em casa, a tua
condição?
- Dói mais a mim. Au… a minha barriga…
- Cortas o coração á tua mãezinha…
- Não posso fazer nada…
- Ficares bom é que era! Vamos logo que estiveres em
condições, uma tarde para a praia!
- Era lindo…
- Só tenho de ficar bom. Como estou já custa andar…
Nem me passa pela cabeça correr agora…
- És forte, Kaiser. E novo! Tens cinco anos e meio e
muita correria pela frente, e muitas
noites a ladrar lá atrás…
- E muito para trincar?
- Sim, muito para trincar também. E muitas
brincadeiras.
- Estou com dores. E cansado. Hoje não brinco.
Perdoa-me. Fazes-me festas? Ficas comigo??
- Claro que te faço festinhas! Vou ficar mais um
bocadinho contigo. Espero que adormeças...
- Boa conversa…
- Boa conversa, Kaiser. Sempre falaste. Eu é que nunca
escutei. Sempre disseste muito. Mas nunca percebi. És fixe. Daqui em diante
vamos falar sempre. Em segredo, claro. Um último biscoito, toma…
Hummmpf!!
Por fim calaram-se naquela hora. Foram dormir… e eu nem um biscoito vi!! O meu
mano sabe dar a volta a todos. Levou uma dúzia de biscoitos á pala do paleio!
O que eu sei , é que hoje o Kaiser deve ter
ido dar um grande passeio, pois ainda não voltou. A mãezinha tá tão triste… e
aqui o amigo brincalhão, triste está. Até já não anda tão brincalhão… A casa
está vazia sem o mano… também já sinto saudades de brincar com ele… e estou
triste também… porque aquele safado deve andar á solta numa boa…
Aproveita Kaiser, onde estás, para correres
livre!
A mãezinha, diz que sim, que agora corres livre ao lado do Jack…
A mãezinha, diz que sim, que agora corres livre ao lado do Jack…
Kaiser
8 Junho 2009 – 13 Janeiro 2015
Texto da autoria de Rui Furtado
P.S: Este é o último post deste blog
Muito obrigado a todos os que nos seguiram durante todos estes anos
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Até sempre!
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