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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Se o amor te pudesse ter salvo, terias vivido para sempre...

Um dia desses, estava eu na minha cabana meio a dormir, pois a hora já ia adiantada. A minha mãe já estava deitada, assisti a uma conversa inesperada entre o Kaiser e o amigo Rui. Inesperada, porque o meu mano revelou o que nunca devia ser revelado: que nós falamos! E espero que ele acredite que só o Kaiser fala. Senão ainda somos dissecados num laboratório de um cientista louco qualquer… Eu fingi que não era nada comigo e como estava demasiado cansado para calar o parvo do meu mano, deixei a coisa andar a ver onde parava… Foi mais ou menos assim:
- Kaiser, o que tens?
- ….
- Queres um biscoito?
- …
- Que merda não dizeres o que tens. Toma lá um biscoito. Só um. Estás proibido de comer. Amanhã tens exames. Vai… sacana… tu é que te safas… levas-me á certa… vou dormir que amanhã é um dia importante.
- … dói…
- ??? hein??? estou mesmo cansado… já estou a ouvir coisas…!! Kaiser??? Estou tolo…
- Dói muito… sim sou eu… já não aguento mais… dói…
- Kaiser? Eu devo estar já a dormir, a sonhar que estou para aqui contigo a falar…
- Não… fica…
- Oi?? Está bem, eu fico… ainda que assustado… que tens??
- Antes dá-me um biscoito. Só um. Tenho fome…
- Toma. Até te dou mais um… o que tens?
- Não sei. Dói-me a barriga… ando enjoado e não faço presentes como deve ser…
- Amanhã vais fazer mais exames… Sabes que lá és bem tratado.
- Não sei se quero…
- Vais ter de querer!
- Até hoje não tive outro remédio… Mas vingo-me!
Eu bato na Doutora Ana com o meu focinho! Ela em troca dá-me muitos biscoitos deliciosos para eu parar…
- Sabes que na clinica todas te adoram!
- Pois… pois… mas fazem-me maldades!
- Maldades??? Foram sempre tão boas para ti!
- Fala por ti! Começaram a picar-me era eu ainda bebé…! E tiraram-me os tintins!!! Olha se tivessem sido os teus… queria ver se não ias lá com o focinho á bruta todas as vezes que a visses…
- Eu pensei que tinhas ultrapassado isso…
- Amanhã quando for lá, verás se eu ultrapassei alguma coisa… au… dói…
- Espera. Já te ajeito a cabeça. Toma, uma mantinha por cima. 
- Ajudava trazeres para aqui ao pé, os biscoitos…
- Espero que a tua mãezinha não dê por falta deles! Vou ficar contigo. E já agora que deste com essa língua enorme nos dentes… podíamos falar…
- Mas fica entre nós. O mano tá a dormir e a mãezinha também deve estar a dormir. Como tenho boa audição, eu aviso se a ouvir e vamos ter de ficar por aqui.
- De acordo!
- Que queres saber?
- Tudo!
- Tudo é difícil. Não sei se tenho paciência para muito… dói-me…
- Está bem. Vamos começar pelo princípio?
- Qual princípio?
 - Estavas no Alentejo. Fomos buscar-te…
- Ahhh… pois isso… não era para ser assim! Eu devia ter ficado lá com os meus manos e vocês raptaram-me… Tiveram sorte eu estar meio anestesiado, por ter acabado de tirar os pontos das minhas orelhas. Senão não me apanhavam!
- Pois ainda assim não foi fácil! Mas nós queríamos que viesses connosco… precisávamos de ti.
- Mas eu não precisava de vocês! Por isso vinguei-me e fiz aquele presente no carro, em Coimbra. Bem feito!
- Sacana! Tivemos que aguentar aquilo até Aveiro!
- Ora tomem lá…
- Adiante. Ao menos gostaste das novas companhias?
- De quem??
- De nós. E dos manos.
- Hummm… bem, não tive escolha. Tive de gostar á força. Mas acabaram por ser uma boa surpresa. Nós acabámos por nos dar bem… tirando umas pequenas diferenças que fomos resolvendo… á dentada… heheheheh… Onde me puseram a dormir nos primeiros dias, é que era péssimo!
- Sabes, os cachorrinhos fazem presentes em todo o lado… logo…
- Eu não!
- Pois. Chegámos a essa conclusão depressa. Não foi preciso ensinar-te.
- Só um chichizinho aqui ou acolá… eu não era um super cachorro.
- E por dormires  lá fora, numa cerca, que já tinha sido de galinhas, reclamavas?
- Claro! Toda a noite!!
- E eu é que acabava sozinho na cama… Começavas a gritaria e lá ia tua mãezinha, dormir contigo.
- Toma!… Eu ainda não chegava lá com o focinho, mas já conseguia o que queria. Como o próximo biscoito que vais dar, para eu não me calar…
- Pronto. Come. Estas bem assim?
- Nesta posição dói menos.
- Lamento as tuas dores. Preocupas-nos. Lamento também ter-te aleijado quando eras pequenino.
- Eu nunca fui pequenino.
- Ah pois… eras um saco de patas muito trapalhão. Por isso aleijei-te.
- Deixa lá. Eu fiquei bom. Pensei que corria mais do que o carro. Aprendi a não jogar mais ás escondidas, á noite no pomar.
- Ficaste mal da pata. Não pensei de início que não fosse tão grave… mas nem deixaste apanhar-te… Uns valentes meses depois é que ficaste fino.
- Sim. Mas passei por muitas dores.
- Por isso, quando estas com dores, nunca te manifestas!
- Exacto. Fiquei rijo. Aprendi a aguentar a dor.
- Forte como um imperador… o nome assentou-te como uma luva, Kaiser…
- Kaiser? Por mim qualquer nome dava. Até se me chamassem de Julinho, dava! Desde que viessem de lá biscoitos. E por falar nisso, bota aí mais um.
- És mesmo interesseiro.
- Não sou… Tá bem! Sou! Mas também sou guloso. E bom garfo!
- É isso! Explica lá essa. Contigo marcha tudo ou quase tudo desde frutas até legumes crus!
- Ai o pepino… e as cenouras… milho… os chuchus crus... e a fruta? Já ia um cabaz dela!
- E a sopa… e o peixe cru… e tudo o que comíamos, incluindo saladas…
- Não sou esquisito.
- Até comias o que não devias!
- Olha que nunca roubei!
- Comida nunca roubaste. Bom… da nossa não. Podíamos deixar TUDO ao teu alcance que nunca roubavas. Até metade de um leitão ficou ao teu alcance e nem ligaste.
- Liguei, liguei! Fiquei plantado á frente dele até vocês chegarem para me darem um bocadinho. Afinal podia apanhar no focinho… era mais fácil pedir do que apanhar umas palmadas…
- E assim percebemos e sempre recebeste uns petiscos pelo teu bom comportamento. Eu é que não dou muito, mas a tua mãezinha derrete-se toda e… lá vai mais um bocadinho. Já agora que vicio é esse do pão?
- Nem me fales disso! Tens aí um bocado que sobrou do teu jantar. Dá-me um bocadinho que já te digo como gosto dele!
- Não. Só biscoitos.
- Não gostas de mim…
- Gosto. Mas amanhã é um dia importante.
- Está bem… mas tens de me dar um biscoito então… senão não descanso…
- Toma…
- O pão é uma delícia. Gosto tanto dele como de biscoitos. Pode ser broa como pode ser qualquer um. Se tiver dois dias, marcha igual!
- Guloso.
- Sim sou. É tão boooom…
- Continuando. Os roubos. Sempre te portaste bem nisso. Mas roubas o resto da ração que o teu mano não come.
- Odeio desperdício.
- Já somos dois.
- Pois é. Limpas sempre o teu prato…
- E tu limpas o prato da tua mãezinha…
- O que lá há é sempre pouco… só um bocadito que me cabe na ponta da língua…
- E já é muito. Não é a melhor comida para um canídeo…
- Podias ser mais generoso…  que queres saber mais?
- Agora quero saber se queres ir lá fora.
- Agora não. Sabes que peço quando quero ir…
- Esperto…  Afinal essa ervilha seca a flutuar no vácuo onde devia estar o cérebro, por vezes dá uns espasmos de inteligência…
- Eu mordo-te!
- Não mordes nada!
- Pois não…
- Pronto, admito que és esperto: chamas-nos quando queres ir lá fora.
- Só isso?? E quando chega a hora da paparoca? Gostas quando agarro no Kong e faço a minha dança?
- É engraçado…
- E a minha representação de um boi no rodeo enquanto tiras o café?
- Adoro! Mas assim eliminas qualquer ideia de que és esperto… pareces um epiléptico numa festa hippie…
- É quando sei que vou á noite lá fora ao meu Kaisómetro por um bom bocado de tempo. Gosto de lá ir e ladrar… e ouvir o ecoar da minha voz!
- Os vizinhos é que não acham muita piada.
- Olha vê se me importo.
- Por isso o teu passeio acaba sempre mais cedo. Por vezes ainda não me sentei para tomar o café e já estás aos gritos.
- São os gatos… e cães dos vizinhos ou nada… o “nada” faz-me ladrar…
- Pois a mim faz-me praguejar!!! Tenho de ir buscar-te mais cedo e depois já fazes as prendas só no pátio…
- São coisas minhas. Prioridades.
- Aborreces as pessoas que limpam. Neste caso, a tua mãezinha.
- Mãezinha. Pois. Já agora porque não queres que nós te chamemos de paizinho?
- Porque tenho outra forma de ver a nossa interação. Somos amigos. E dos grandes! Vê lá tu se não é assim. A tua mãezinha alimenta-te. Dá-te banho e escova-te. Faz-te os bolos de aniversário e as respectivas festas cheias de gente. Educou-te e ensinou-te a comportares-te, a ser obediente, a sentar, a deitar, a dar as patas á vez. E atirares-te com todo o teu presunto ao colo dela… ela ensinou-te e mimou-te. É uma mãe. E eu? O que te ensinei até agora, além das muitas e criativas brincadeiras?
- Eu já sabia brincar…
- Sim, mas com os teus manos. Queixas-te das minhas brincadeiras?
- Ás vezes és chato e bruto. Mas divirto-me á brava. Até estar exausto!
- Tu provocas metade das vezes. Vês somos amigos! Passas bons momentos de brincadeira comigo. E com muitas das pessoas que chegam para nos visitar…
- Verdade. Gosto delas.
- Ai gostas delas só pela brincadeira? Pensei que era porque vinham carregadas com biscoitos como a tia Isabel faz muita vez…
Só falo assim, porque colas-te em frente á lata dos biscoitos a ladrar para a dita lata, onde os guardamos …

- Também é isso. Mas gosto das visitas todas. São boas para mim. Brincam comigo. Só adianto serviço: já que vão chover biscoitos mais vale começar a pedir assim que elas chegam!
- És um interesseiro, mesmo!
- Já que falamos de biscoitos, de que estás á espera??
- Hummm… tá bem. Desde que não te cales. Quero saber mais… espera vou pôr mais madeira no aquecimento.
- Não demores.
- Já venho.
- Cá estou. Onde íamos?
- Íamos na parte que me davas mais um biscoito.
- Mau… não tenho uma memória curta como a tua… acabei de te dar!
- Vale sempre a pena tentar a sorte…
- E és um vendido também. Se a casa fosse assaltada por gatunos com biscoitos ficavas de guarda para não serem incomodados!
- Bem, com biscoitos rendo-me sempre! Ou ração… ou sopa… ou fruta…
- Que raio de apetite Kaiser!
- Estes quarenta quilos têm de se manter…
- Morde mas é a bola!
- Por vezes tento comer um bocadinho dela…
- Falemos de outra coisa senão sou eu que fico com fome…
- Podes sempre comer uns biscoitinhos dos meus… eu sempre te deixei tirares a minha comida. Até da minha boca.
- Dispenso os teus biscoitos…
- A mãezinha já provou…
- Mas não come. Ela prova tudo o que comes. Menos os venenos que tinhas de comer na outra casa… DUAS VEZES!!!
- Sabiam bem...
- Ora aí está: roubaste… aos ratinhos! Foi um susto!! Ainda bem que foi mesmo só isso. Por culpa da tua teimosia!
- A culpa é tua…
- Só da primeira vez… da segunda vez conseguiste abrir a caixa dos iscos…
- Pura arte e engenho! Heheheheheh…
- Parvo. Ficámos fulos! Fiquei capaz de te castrar… outra vez! Ai essa ervilha seca …
- Ai eu chego-te!
- Chegas nada! Tens mais língua do que dentes… és meigo com todos, incluindo crianças que nem conheces.
- Sabes que me derreto pelas crianças! E pelos biscoitos que daí vêm…
- Lá vamos nós…! Já sei… “e por falar nisso… béu béu béu… porque não mais um biscoito?” Não era o que ias dizer?
- Ás vezes és tão esperto como eu…
- Mau! Olha… já não dou biscoito!
- Vá lá… olha que faço a carinha triste com as orelhas para trás…
- Eu não me deixo dobrar como a tua mãezinha.
- Eu sei. Mas não custa nada tentar a sorte. Pode ser que algum dia consiga dar-te a volta.
- Falemos de outra coisa. O que te passou pela cabeça quando mordeste a mão do vizinho??
- Foi a única vez que ataquei. Sabes disso.
- Eu sei, Kaiser.
- Ele provocava-me sempre: cão maricas para cá, cão maricas para lá… e ele meteu a mão para o lado de cá do muro. E o “maricas” deu-lhe uma lição! Espero que ele tenha gostado quanto eu!! Eu já sinto saudades dele me chamar de maricas… e principalmente dele meter a mão do lado de cá de seguida… belos tempos!
- Foste bruto!
- Foi remédio santo!
- É verdade. Mas não digas a ninguém o quanto gostei da cena. Fica só entre nós…
- Hahaha! A mãezinha também gostou muito. Muito ela se riu…!
- Vocês os dois…
- Que foi?
- Nada. Só penso que tu e a tua mãezinha são almas gémeas. Ela já suspirava por uma lição.
- E eu como um bom filhinho só lhe fiz a vontade.
- Ainda bem que foi só uma liçãozinha que ela pediu!
- O vizinho também nunca deu um biscoitinho… só mandava bocas foleiras… Mereceu a trinca! Quero ir lá fora fazer um xixizinho...
- Bora!

E estava a ver que os dois não se calavam. Ou começava… ou acabava sempre nos biscoitos. Meu irmão é lixado. Vou fingir que não estou acordado porque está muito frio lá fora! Eles devem voltar em minutos…

- Vamos Kaiser… entra. Senta aqui que tens as patas sujas. Espera um pouco.
- Quero deitar-me já. Estou cansado. E dói-me.
- Pronto. Deita-te aqui no sofá. Olha a mantinha por cima. Deixa ajeitar-te. Estás bem assim?
- Não pior do que estava…

Humpffff… eles não se calaram desta vez. Ninguém dorme aqui hoje?!?

- Eu sei. Dói-te. Mas és tratado como um príncipe. Sempre foste. Sempre foram todos tratados como tal. Tens as vacinas mais em dia do que eu!
- Podia ser melhor…
- O quê??? Como assim??
- Podia dormir sempre na vossa cama no meio de vocês…
- Nem penses. Tens uma fábrica de gás mortífero aí atrás… é uma fragrância forte. E aquilo enche o quarto todo.
- Era Brise… cagada no pinhal… com notas pessoais… hehehehe!
- Por isso foste proibido de lá dormir…
- Mas também podiam levar-me á praia todas as manhãs, para correr, e de tarde, um passeio á mata e ao voltar a casa, não tomar banho!
- Isso é que era! Mas um duchinho era obrigatório! Já agora, vai um duchinho, Kaiser?
- Duchinho não!! Duchinho, NÃO!!! Ohhh o horror!!! Não!!!
- Tem calma. Tava a brincar…
- Ufa… és mau… até me arrepio quando ouço a água a correr!
- Mas não tens medo da água do mar nem do rio. Não percebo… tu atiras-te…


- Eu não me atiro só por me atirar… Eu adoro morder as ondas. É mais forte do que eu… mas nunca as apanho…
- És um triste…
- Eu é que sei!!
- Está bem. Acalma-te.
- Eu ia á praia amanhã em vez de ir às Doutoras… mas dói-me. E não consigo correr…
- Deixa ajeitar melhor a mantinha e levas já umas festinhas no pescoço que sei que gostas.
- Pois gosto… ahhhhh… hummmm… é bommmmmm… obrigadooooo…
- Não precisas de agradecer. Eu é que agradeço a tua paciência e por termos esta conversa. Sempre foste um bom cão. Mesmo na tua fase mais traquinas.
- Eu traquinas??
- Sim, traquinas. Olha bem para os pés daquela cadeira. Ficou ali um lindo serviço… e os chinelos da mãezinha? E a mangueira? Aquilo ainda hoje parece o repuxo daquela rotunda de Albergaria-a-Velha. Mas a tua mãezinha meteu-te na linha! Só não conseguiu evitar que atacasses as galinhas, á solta no teu Kaisómetro.
- Estavam no meu território! E eu só queria provar um bocadinho…
- Provar o quê?!?
- Provar a como ia saber a canja que ias fazer com ela…
- Pois, mas ela escapou! As minhas galinhas são sagradas! Ao menos elas põem alguma coisa que se coma por uma das extremidades. Tu, ao contrário só te saem prendas a quilo por um lado, ou baba aos litros pelo outro… Para tua informação ela ficou a coxear durante um mês e deixou até de meter ovos. Mas recuperou, e já está no activo.
- É pena… fica para a próxima!
- Para a próxima, nada! Nunca mais te cruzas com elas…
- Só se não calhar…
- Olha, tautau no rabo!!
- Prefiro biscoitinho na boca…
- Agora que me lembro da galinha, não mereces biscoitos!
- Não estamos para ir dormir agora? Vai dormir, vai…
- E se for um bocadinho de pão, Kaiser?
- Hummm pão… pão… pão… hummm bom! Onde nós íamos???
- Na parte em que tu és tão fácil, hehehehehehe!
- Olha quem fala…
- Íamos na parte em que apanhavas no rabo por fazer asneiras.
- Só te lembras de cenas tristes??
- Não só. Ela também oferece-te coisas próprias para trincares. Brinquedos por exemplo…  os quais prontamente começas logo a testar a resistência deles. Nem um Kong Extreme XL escapou... já vais no segundo! E ultimamente andas a ver se o pneu da moto é trincável…
- E acho que é…
- Vais receber um pneu de um tractor agrícola pelo teu aniversário! Ficas logo com algo para te entreteres uns anos!
- Está combinado! E ele pode vir recheado com biscoitos!!
- Vou pensar nisso. Embrulhar o pneu é que será difícil.
- Mas sabes como gosto de desembrulhar as prendas…
- Pois, é engraçado. Mas ultimamente tens feito batota: só desembrulhas até metade e vais logo ao recheio! Antes tiravas o papel todo…
- Já não me importo se tiro o papel todo ou não… vou ao que interessa!
- Gostas tanto de rasgar papel…


- Isso são os jornais e revistas. Não têm recheio. As prendas já têm recheio… e se o recheio for da Pedigree ou da Purina, melhor!
- E avisos de encomenda dos CTT, meu sacana???
- Ups…! Isso foi só uma vez… a culpa foi do carteiro. Simpático o homem… a que será que ele sabe??
- Esquece que nunca vais ter a oportunidade!!
- Mas ele mexe na nossa caixa de correio… merece uma trinca…
- Tu é que mereces uma trinca pela figura que fiz com vinte fragmentos babados de um aviso de encomenda…
- Era só papel!
- Bom… tirando essas traquinices és um cão porreiro. No geral deste pouco que fazer.
- Não sou perfeito. Nem os humanos são perfeitos. Sou um cão. Qual a tua desculpa?
- … hummm …. hummmmmm… olha aqui um biscoito!
- Não quero o biscoito.
- Bom tenho que reconhecer que existem pessoas não tão perfeitas como tu.
- Esses é que são cães. Destroem tudo á sua volta. Não respeitam ninguém que está á volta deles, “ladram” muito e por vezes mordem… nem deixam que lhes dêem mimo…
- As pessoas não são cães para receberem miminhos…
- Mas algumas são cães… bem maus…
- É verdade… Mas só algumas! Nem todas as pessoas são más. Olha, por exemplo, as crianças. As que cá vêm, raramente te dão biscoitos, mas são boas!
- E brincam comigo. Eu gosto delas!
- Assustava de início… tu com esse tamanho bem podias magoar uma criança… e como és ainda desajeitado…
- Olá?!!! Eu sou o Kaiser, amigo das crianças! Filhinhos e filhinhas dos papás, que me acham piada por brincar com os miúdos… e assim vão trazendo uns biscoitinhos…
- Ahhhh…! Já estava a prever que isso ia acabar aí!! És mesmo um sacaninha carregado de interesse! Não te ensinámos isso!!
- Não... Mas resulta!
- Se não estivesses doente levavas umas palmadas no rabo só para te chatear…
- Mas dói-me. Vai e vem. É da posição…
- Sabes que nos dói a todos cá em casa, a tua condição?
- Dói mais a mim. Au… a minha barriga…
- Cortas o coração á tua mãezinha…
- Não posso fazer nada…
- Ficares bom é que era! Vamos logo que estiveres em condições, uma tarde para a praia!
- Era lindo…

- Há de ser… fica combinado!!
- Só tenho de ficar bom. Como estou já custa andar… Nem me passa pela cabeça correr agora…
- És forte, Kaiser. E novo! Tens cinco anos e meio e muita correria pela frente,  e muitas noites a ladrar lá atrás…
- E muito para trincar?
- Sim, muito para trincar também. E muitas brincadeiras. 
- Estou com dores. E cansado. Hoje não brinco. Perdoa-me. Fazes-me festas? Ficas comigo??
- Claro que te faço festinhas! Vou ficar mais um bocadinho contigo. Espero que adormeças...
- Boa conversa…
- Boa conversa, Kaiser. Sempre falaste. Eu é que nunca escutei. Sempre disseste muito. Mas nunca percebi. És fixe. Daqui em diante vamos falar sempre. Em segredo, claro. Um último biscoito, toma…

                Hummmpf!! Por fim calaram-se naquela hora. Foram dormir… e eu nem um biscoito vi!! O meu mano sabe dar a volta a todos. Levou uma dúzia de biscoitos á pala do paleio!
O que eu sei , é que hoje o Kaiser deve ter ido dar um grande passeio, pois ainda não voltou. A mãezinha tá tão triste… e aqui o amigo brincalhão, triste está. Até já não anda tão brincalhão… A casa está vazia sem o mano… também já sinto saudades de brincar com ele… e estou triste também… porque aquele safado deve andar á solta numa boa…


                        Aproveita Kaiser, onde estás, para correres livre!

                      A mãezinha, diz que sim, que agora corres livre ao lado do Jack…


                             Kaiser 

              8 Junho 2009 – 13 Janeiro 2015



Texto da autoria de Rui Furtado

P.S: Este é o último post deste blog
Muito obrigado a todos os que nos seguiram durante todos estes anos

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7 comentários:

  1. Deixa, que agora tens 2 anjos que correm livres lá em cima, a velar por ti...

    Adeus.....
    ...Maricas....

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  2. We sadly say goodbye and we know you are being watched over. They are always in our hearts and never forgotten. Gentle hugs and much love.
    Best wishes Molly

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  3. Belíssimo texto.
    O Kaiser está bem, sem dores nem sofrimentos.
    Deixa uma herança grande que será engrandecida a cada dia,a cada getso de ternura para com outro patudo. Os cães ensinam-nos a amar sempre. E nós fazemo-lo: primeiro,timidamente, amargamente, depois com todo o coração- e a cadeia que inciam continua sempre em nós, atraves de nós...
    A herança de Kaiser é como ele : grande, sincera e cúmplice, sempre renovada.
    Abraço com carinho admiração e ternura

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  4. Linda Homenagem!!!! O Kaiser realmente era muito especial!
    Muita força!

    Pode parecer estranho eu dizer isso, mas a Cristina tem uma amor tão grande por cães, que parece errado ficar apenas com o seu Fusquinho. Pense nisso!
    Bjinho

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  5. I wish I could read all of this, we send you our love and wish you peace,

    Nuk & Family

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